segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

ENTREVISTA COM PROFESSOR VICENTE MARTINS SOBRE DIREITO À COLA





(entrevista com Vicente Martins, publicada em Jornal Tribuna do Planalto, Sábado, 20 de Janeiro de 2007)


Escola
O direito à cola!


Educador cearense propõe a liberalização da ‘cola’ em sala de aula, tida por ele como um direito legal que garante a liberdade de aprender dos alunos


Luiz Felipe Fernandes


Momento de tensão: é dia de prova! Hora de colocar no papel o conteúdo aprendido em sala de aula. As mãos começam a suar, as pernas ficam trêmulas e a cabeça se esforça para lembrar direitinho tudo aquilo que foi estudado. E por mais que os métodos de avaliação estejam sendo alvo de tantas discussões, a temerária prova ainda tira o sono da maioria dos estudantes.



É por isso que muitos deles lançam mão de uma ajudinha extra na hora de resolver as questões – a cola. Tudo muito discreto, porque se o professor percebe alguma coisa... ai! Aí é zero na certa!Mas atire a primeira pedra quem nunca se utilizou desta conhecida transgressão escolar. Os recursos são inúmeros: uma rápida espiadinha no livro num momento de distração do professor, aquele lembrete essencial na borracha, uma anotação na palma da mão, um papelzinho escondido na meia ou no bolso da camisa ou até mesmo uma olhada sorrateira para a prova do colega da frente.


Com um modelo de avaliação que ainda privilegia o conhecimento memorizado, são inúmeras as alternativas que surgem para auxiliar na resolução do que está sendo cobrado.
De olho nos lembretesA cola, porém, pode ser encarada de uma outra forma, e não apenas como transgressão, infração, fraude, ato clandestino ou qualquer outra expressão que a envolva num contexto negativo. O ato de fazer a prova com o auxílio de lembretes, anotações ou mesmo consulta ao material didático pode ser entendido como uma manifestação da liberdade de aprender.


A proposta para este novo olhar sobre a cola é do professor Vicente Martins, da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), de Sobral, no Ceará.Dedicado à pesquisa na área de dificuldades na aprendizagem, ele lança uma visão moderna sobre o método de avaliação nas escolas, atribuindo à cola um direito do aluno poder escolher de que forma ele quer aprender. Conforme explica o professor, seria uma cola consentida, estabelecendo uma relação objetiva e transparente entre alunos e professores. "Levanto a tese da liberdade de aprender, em que você foge da questão do delito e da fraude."


Consulta às anotações: liberdade para aprenderA proposta de Vicente Martins é simples. Durante o processo de aplicação das avaliações, o aluno poderia ter acesso tranqüilamente às suas anotações – valorizando, assim, a atenção que ele deu às aulas –, aos livros didáticos – pois lá estão as informações organizadas de forma didática – e até à internet. O ideal, segundo o professor, é que os alunos fizessem as provas em casa, salvo entre aqueles que se preparam para o vestibular e que devem tentar se acostumar a este modelo de avaliação.


Neste sentido, a cola, na medida em que integra uma proposta pedagógica, pode favorecer a aprendizagem dos alunos.Vicente explica que a utilização da cola, entendida como liberdade de aprender, está prevista na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Para tanto, ele cita o inciso 2 do artigo 3, que diz que o ensino será ministrado com base no princípio da "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber".


"A cola teria, portanto, amparo na norma constitucional inviolável, de modo a vir a ser uma prática comum e viável no processo ensino-aprendizagem", avalia.Neste sentido, a nota também não estaria centrada apenas no desempenho do aluno na prova. Na perspectiva do professor Vicente, a auto-avaliação – nota dada pelo próprio aluno – é tão importante quanto à nota atribuída pelo professor. Ele diz que o educador está suscetível à elaboração de questões malformuladas. Por isso, cabe ao estudante, que deve ser considerado o elemento mais importante em sala de aula, também avaliar a prova.
“Alunocentrismo”A mudança na mentalidade pedagógica hierárquica em sala de aula, resquício da tradição educacional jesuítica, teve início na década de 90. Até então, todo o processo era centrado no ensino e no professor. Vicente Martins explica que a relação passou a se transformar e o sujeito da aprendizagem deixou de ser apenas o professor, incluindo, também, o aluno. Assim, a aprendizagem se tornou mais importante que o ato de ensinar – o que chamam de "ensinagem", ou seja, transformar o ensino em algo bem-assimilado.Mas o caminho ainda é longo para quebrar o paradigma da cola. "É preciso uma mudança de mentalidade não só do professor, mas também da própria instituição escolar", comenta Vicente. Ele afirma que a própria LDB oferece bases modernas para a organização escolar e que não são colocadas em prática. Vários dispositivos legais deixam marcas de flexibilização, deixando de lado aquela antiga escola apenas centrada na memória, e não no acesso à informação.


Internet propõe novos caminhos As possibilidades surgidas com a internet, por exemplo, são aliadas na bandeira pela liberalização da cola.


O professor da UVA considera que, com a rede mundial de computadores, não faz sentido fazer um esforço extraordinário para guardar informações. "Nossa cabeça precisa de informações bastante seletivas.


Se o homem inventou uma máquina capaz de conter informações, como o computador, não faz sentido que continuemos com modelos tacanhos do século 17."Mas para quem está acostumado a ser o centro das atenções na sala de aula – o professor –, um modelo que enxergue o aluno como principal agente no processo de aprendizagem pode soar como uma ameaça ao intocável posto de mestre. Segundo sua própria experiência, Vicente Martins diz que as escolas atuais estão "desesperadas" com o fato de o aluno poder superar seus professores, dado ao acesso tão facilitado às informações. "O professor não é mais o único representante do saber. Hoje os alunos podem encarar seus professores."


Rendimento escolarA liberdade de colar também pode ser um instrumento de recuperação dos alunos com baixo rendimento escolar, podendo fazer parte de um programa de correção de fluxo ou do atraso escolar. Seria uma forma de recuperação dos alunos que estão defasados. O professor Vicente Martins explica que a proposta já foi apresentada a órgãos ligados ao Ministério da Educação (MEC), e que é vista como algo razoável.



Mas enquanto mudança de cultura, ele reconhece que é um modelo em produção.Em seus 24 anos de magistério – 16 deles no ensino superior – Vicente afirma que sempre adotou seu procedimento e que foi bem-sucedido, inclusive em sua experiência em instituições militares. Ele explica que os alunos passam a entender quais as razões que o leva a permitir a consulta ao livro e às anotações, tornando a relação muito mais aberta. A adoção de seu método, entretanto, sempre teve de ser discutida com a coordenação da escola, com base em seus argumentos em favor da cola.


Saiba mais


Vicente Martins tem 46 anos, é professor dos cursos de Letras e Formação de Professores da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, no Ceará. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará, pós-graduado e graduado em Letras pela Universidade Estadual do Ceará, é também pesquisador da área Lingüística (Fonética, Fonologia e Ortografia do Português) e tem atuação psicopedagógica nas áreas de leitura (dislexia), escrita (disgrafia) e ortografia (disortografia) nos níveis da Educação Básica.

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